segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Análise do Discurso: breves apontamentos




Aposto que chegou nesse blog por um acesso de desespero, solidão, histeria ou choro. É meus amigos, compreender a Análise do Discurso em sua singularidade não é fácil pra um graduando ou pós-graduando em Letras que mal tem conseguido devorar as dicotomias de Ferdinand de Saussure. A Linguística não estaciona no mestre genebrino, ele apenas dá o pontapé inicial para a ciência dos signos se fortalecer e ganhar cientificidade. Mas não parou aí. Diante da Análise do Discurso, a proposta de Saussure parece murchar. Mas muitos acadêmicos não têm essa visão geral do que veio após esse período. E acreditem, também já estive na pele de vocês. Sofrendo horrivelmente pela minha dificuldade em compreender o que é essa tal Análise do Discurso e o que tem a ver com a ciência Linguística. Não é fácil compreender logo à primeira vista. E se deram a você o livro Análise Automática do Discurso de Pêcheux ou a Arqueologia do Saber de Foucault para que engulam, simplesmente parem. Mesmo Introdução à Análise do Discurso de EniOrlandi não me parece o texto mais adequado para navegar pelos mares da AD. Venham comigo, talvez assim, consiga compreender em meus textos o que essa disciplina exige de você como pesquisador.

Minha proposta é trazer os principais postulados da Análise do Discurso de maneira leve, descomprometida com uma linguagem de difícil acesso e que você realmente possa entender o que essa disciplina apregoa. Os estudos discursivos realmente não são tarefas fáceis, mas compreendendo a teoria você vai chegar lá. Vai entender o que é interdiscurso, formação discursiva, memória discursiva, função enunciativa, formação ideológica, entre outros conceitos que permeiam aquela que vou revelar agora, não é só uma, mas várias modalidades de Análise do Discurso. Dependendo da forma como você observa a linguagem, você quem diz se quer se inscrever em qual das variadas modalidades existentes.

Pronto? Vamos lá?

A Análise do Discurso é uma disciplina que nasce a partir de Harris e posteriormente de Pêcheux. Como esse é um texto inicial, e diversos outros constituirão esse blog, saiba aguardá-los. O que você precisa saber bem, é guardar esses nomes inicialmente. Mas vamos viajar um pouquinho, acordar novamente Saussure que dormiu no segundo parágrafo deste texto.
É preciso lembrar da ciência linguística levantada por Saussure. Lembra-se da langue/parole, sincronia/diacronia, significante/significado, sintagma/paradigma, entre outras dicotomias que marcaram o trabalho de Saussure? (ou de seus herdeiros, já que na verdade o curso de Linguística Geral é um apanhado de textos atribuídos ao mestre genebrino). Pois bem, nosso querido Ferdinand pensou numa língua como um sistema fechado, uma estrutura em que a falta de um ou o nascimento de um novo elemento não afetariam o sistema geral. Imaginemos um quebra-cabeça muito grande que seria impossível para um indivíduo sozinho montar todas essas peças. Assim, era a língua para Saussure. Jamais o homem conseguiria dominar todas as palavras da língua, como também jamais aquele indivíduo montaria o quebra-cabeça. Caso uma peça desse quebra-cabeça venha a se perder, ainda será possível tentar montá-lo, o que aconteceria também com a língua, caso uma palavra se transforme ou mesmo caia em desuso, não afetaria em quase nada a grande estrutura que é a língua. E a questão do significado das palavras é um processo bastante simples (e criticado posteriormente!): segundo Saussure, o signo linguístico vale pelo que os outros não são. Como assim, produção? Vamos pensar no quebra-cabeça. O que singulariza determinada peça do quebra-cabeça? O simples fato de não ser outra peça. O desenho dessa peça não é semelhante ao desenho das demais peças, o desenho das demais peças não é igual ao desenho dessa peça em específico que falamos. Então, Saussure pensava que “vaca” vale pelo o que “boi”, “bezerro”, “cabra” não consegue esgotar em seu significado. Visto desse ângulo, parece tão simples quanto sua prova de Latim, não? Mas, aí que mora o perigo.

As questões relativas ao significado das palavras não são tão simples assim. E vários pesquisadores nos momentos seguintes a Saussure se debruçaram para estudar tal fenômeno. Mikail Bakhtin foi um dos primeiros a pensar sobre isso. Para ele, as palavras tem sua significância validada pelo sistema, mas sim vai variar de acordo com a pessoa que emprega. Não entendeu? Ele está deslocando os estudos dos signos para o campo das práticas sociais. Ou seja, a ideia de Bakhtin é juntar você árduo estudante de Letras ao pensamento de um estudante de ciências sociais. Explico. Tomemos a palavra terra. Para Saussure, “terra” vale por aquilo que, por exemplo, “latifúndio” não vale. Mas imaginemos essa palavra sendo proferida por um latifundiário, dono de uma imensidão de propriedades no interior do Pará. Agora, pensemos nessa mesma palavra sendo proferida por um individuo sem-terra. Bingo. A mesma palavra terá sentidos distintos nas formulações linguísticas desses sujeitos. Então as relações de sentido não terminam nas redondezas do sistema, mas são apreendidas pelas práticas sociais de linguagem.


Pensando assim, fica fácil compreender o nascimento de uma Análise do Discurso. É justamente esse pensar que as palavras podem tomar diferentes sentidos dependendo dos sujeitos que as empreguem, da situação de enunciação, do contexto social, político, econômico de uma sociedade em um determinado tempo. Esses fatores juntos singularizam o “Tchau, querida” que Dilma recebeu dos parlamentares que votaram por seu impeachement do “Tchau, querida” que você deu a sua prima ontem no facebook. Apesar de ser a mesma formulação linguística, o “Tchau, querida” de Dilma guarda uma espessura histórica que explica sua aparição. Isso significa crer que nenhuma palavra aparece por acaso porque estava no sistema e o indivíduo decidiu usá-la. É bem mais complexo e esse nó problemático que a Análise do Discurso em suas aventuras deseja desatar. Está preparado para isso? Então acompanhe nossos textos. Ainda temos muito o que compreender desse complexo mundo da linguagem. Até mais. E Tchau, queridos!


Por Max Marques